domingo, 9 de fevereiro de 2025

A vista no fim do ciclo

Acredito que nunca será da maneira como planejamos. E quanto mais distante for o que se concretizou do que quando se imaginou, com certeza mais diferente será do que um dia parecia um sonho tão distante.

É no entanto que nem parece absurdo considerar como ter sido verdadeiramente um sonho distante. O núcleo, a semente, o coração do sonho, nos misturar dos termos, realmente se concretizou, mas os caminhos longos, as diferentes estradas vivenciadas e todas as estações repassadas foram o que tornaram o aspecto do objetivo se definir como realmente um sonho tão distante.


Estou aqui, experienciando o lugar onde um dia ansiei estar, mas nunca, em hipótese alguma, teria sido capaz de imaginar tudo o que vivenciei nesses longos anos para poder chegar nesse exato momento.

Não só isso, mas nunca poderia imaginar o que teria de enfrentar para estar aqui: eu mesmo. Lá bem atrás, começava isso de peito erguido, de olhos atentos no horizonte e velas abertas para o futuro, confiante de que superaria o que o mundo trouxesse, as tempéries dos mares e as más temperanças do destino.

Talvez realmente estivesse preparado para todos esses desafios externos que a minha mente (ainda catastrófica, por sinal) criava, mas a experiência da minha graduação nunca se revelou realmente ser sobre o que estava além de mim.


É óbvio que foi difícil. O conhecimento necessário para considerar-se formado nesse curso definitivamente não foi fácil de assimilar, mas no grande revelar das cortinas me deparei, principalmente, comigo mesmo. Debaixo dos panos não havia o mundo, mas sim um grande espelho.

O meu maior desafio foi lutar contra todas as questões internas que ainda não havia notado. Velhos hábitos que levei, carregando por anos, sem nunca achar que havia algum problema neles, mas que a vida, nas suas maneiras interessantes de derrubar nossas convicções, me revelou. Ao oferecer-me uma outra perspectiva, uma nova lente, consequentemente exigiu-me a devida atenção para o amadurecer.


A graduação, por mais que ainda teimosamente tente relativizar, definitivamente se mostrou como um evento ocasionador de mudanças, o terremoto das minhas desgastadas estruturas. Nela vivi o velho e já anteriormente conhecido longo processo de negação, raiva, barganha, depressão e superação.


Tenho ainda viva em minha memória cada uma dessas passagens. Das vezes em que me negava a olhar no espelho o que claramente estava defeituoso nos meus hábitos. Das vezes em que fugia das responsabilidades quando já era inevitável olhar. Das vezes em que me via relativizando e renegociando o que a graduação exigia de mim. Das vezes em que não conseguia sequer me levantar da cama porque já me considerava um caso perdido. De quando minei toda a minha autoestima e autoconfiança.


E quanto tempo tudo isso me custou. E quanto isso me custou.

Por alguns anos me tornei o meu maior crítico. O meu maior sabotador.


Não tenho a coroa de louros de uma bela formação que ingenuamente achava que teria lá no começo. Esse caminhar foi calejado, feio e grotesco.

Carrego comigo o contentamento de uma batalha um dia perdida. A compaixão dos derrotados. Comigo tenho somente os louros das cicatrizes que acometi e os cascalhos que colecionei dos caminhos tortos feitos no auge das crises.


Mas já não me lamento por isso há tempos. Todas as partes desse processo foram difíceis, mas devidamente respeitadas, vivenciadas. O cair do outono e a severidade do inverno sempre chegam ao seu fim, como todas as coisas.

E ainda lembro, vivamente, de quando o peito finalmente esquentou. De quando reencontrei em mim a vida. De quando tive coragem de mudar essa fórmula. De quando passei a entender que devo ser o meu maior apoio e que devo cultivar em mim a minha maior torcida. De que sou o principal responsável da minha carruagem chamada vida.


A estrada tem sim passagens difíceis e falhadas. O tempo pode e vai atrapalhar o andar da carruagem, mas foi nessa graduação que aprendi que o nosso maior inimigo pode surgir a partir de nós mesmos. Que o teste se revela do quanto conseguimos encarar nossos velhos maus hábitos, do quanto nos deixamos cair na espiral que nós mesmos criamos.

Foi nessa graduação que aprendi que o ritmo e a constância da carruagem são ditados por quem aprende e consegue segurar as rédeas. A isso que me foi deparado no espelho, e foi nesse próprio reflexo que aprendi a ser adulto.


O ciclo naturalmente se concluiu.

Posso dizer a cada um dos meus eu's passados que as coisas, de certa forma, deram sim certo.

Um certo não perfeitamente executado. Nem tão polido. Mas um certo.


Não me sinto necessariamente em um grande contentamento.

Nem me sinto em desgraça.

Mas me vejo em uma estranha sensação de paz.

Da mesma sensação de observar o nascer e o pôr do sol.

Do silêncio reconfortante dos tons alaranjados mesclados ao algodão das nuvens.


- Carlos R.


*** Originalmente escrito e postado no instagram em 23 de Dezembro de 2023. Três músicas fazem parte da publicação dividida em 3 partes: 

Alex Somers - Looking After / Alex Somers - Never Ending / Hammock - We Watched You Disappear




sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

Dos relacionamentos que não nos advertem

    Não por maldade. É simplesmente pelo fato de que há tanto para se refletir e aprender com a vida que se torna difícil advertir sobre todas as coisas. Soma-se ao fato de que não há somente uma verdade que nos auxilie a lidar com a experiência do viver, mas sim uma dentre várias perspectivas, que a tarefa de repassar tudo sempre será incompleta.


    Logo, do que vivenciei (pois aqui escrevo apenas no passar do meu viver), vos digo: namorar algumas pessoas é descobrir o quanto essas pessoas não nos cabem. O ponto é que não sabemos disso e precisamos pagar para ver.

    Ficamos anos agarrados à esperança de que elas irão, de alguma forma, realmente compreender as nossas necessidades, de que vão parar de nos machucar com as pequenas coisas que tanto já falamos, e que vão melhorar em seus aspectos mais difíceis de lidar.

    "Uma só vez mais", "Talvez se eu tentar de uma outra maneira", "Agora que isso aconteceu tudo realmente vai se ajustar", e tantas outras justificativas criamos para permanecer ao lado de quem queremos amar. Reforço "queremos", pois amar é uma escolha deliberada e consciente (mas essa perspectiva eu deixo à mercê do vosso aprendizado com a vida).

    Diante de todas essas tentativas de fazer funcionar, e que, infelizmente, mas previsivelmente, não nos trouxeram retorno minimamente satisfatório, começamos a cair no limbo da dúvida e dessa dúvida tudo se torna alvo (e é geralmente no que mais nos falha).

    Aprendi que com a devida distância, que só o tempo proporciona, de algumas relações já finalizadas é nesse limbo da dúvida que surge a oportunidade de melhorarmos como pessoas. Nos martelamos demais dentro desses relacionamentos, e por tanto nos martelarmos ficamos completamente expostos. De fato, desconfio que só assim somos capazes de amadurecer: quando não temos mais a casca dura de algumas vagas verdades que vestimos para evitar o sofrimento de alguns traumas passados.

    A vida tem disso, sabe? Quando não é o acaso que desafia nossas estruturas, somos nós que, inexplicavelmente, nos colocamos nos caminhos que irão nos enfraquecer nos pontos onde mais precisamos.

    Mas não sabemos disso, ainda. Não temos essa perspectiva porque ainda estávamos presos naquele ciclo. Ainda não tínhamos nos descascado o suficiente para nos depararmos com as nossas próprias falhas, e só aquele relacionamento/núcleo (não pessoa, pois nunca é sobre o outro) seria capaz de fazer isso conosco.



- Carlos R.

*** Originalmente escrito em meados de Agosto e 2023. Somente publicado aqui na data que se segue da postagem.

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